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Definição encontrada no Novo Dicionário de Termos Europeus
Acquis Communautaire > Acervo Comunitário

O acervo comunitário, constituído pelo conjunto do direito comunitário, representa o essencial de todos os direitos e todas as obrigações a que estão vinculados, no âmbito da União Europeia, os Estados-Membros.

Até à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o artigo 2.º, 5.º travessão do Tratado da União Europeia consagrava-o formalmente como objetivo: «A União atribui-se os seguintes objetivos: […] a manutenção da integralidade do acervo comunitário e o seu desenvolvimento […].»

Esta referência expressa ao acervo surgiu nos tratados após a revisão de Maastricht de 1992, sendo até então um princípio de natureza essencialmente jurisprudencial, primeiramente reconhecido no acórdão no caso Costa/Enel, de 1964, e confirmado posteriormente em abundantes decisões do órgão jurisdicional da UE.

 

O adquirido – cuja origem se encontra na expressão francesa consagrada acquis communautaire – ou acervo comunitário inclui: os Tratados ou direito primário, todo o direito derivado, que são as leis europeias adotadas conforme previstos nos Tratados (cujos atos jurídicos relevantes são os regulamentos, as diretivas e as decisões), a jurisprudência e as restantes fontes de direito comunitário. Fazem parte dele ainda os objetivos, princípios, políticas, instituições e instrumentos estabelecidos e consagrados em toda a legislação referida, incluindo os acordos internacionais celebrados pela Comunidade Europeia.

E há um corolário fundamental que decorre da consideração da proteção do acervo como um objetivo da União: o processo de integração europeia está juridicamente consolidado e é irreversível.

Nenhuma decisão, nacional ou comunitária, fora dos limites estritos e formais dos procedimentos excecionais ou de revisão, pode pôr em causa as decisões, os princípios, normas ou objetivos referidos, no enquadramento global e genérico da construção europeia. Nesses limites, contudo, cada vez mais se enquadram as considerações relativas ao equilíbrio jurídico, institucional e político entre os diferentes níveis de decisão envolvidos, e em particular o necessário e cada vez mais preciso respeito pelo princípio da subsidiariedade.

 

O acervo comunitário é, a um tempo, limitação dos poderes dos Estados, que não podem legislar contra ele, e da própria Comunidade, que não deve servir-se dos mecanismos do direito comunitário para pôr em causa a progressão na integração. O artigo 2.º acima referido, em vigor até ao advento do Tratado de Lisboa, comportava outro elemento fundamental, ao referir como objetivo da União o desenvolvimento do acervo comunitário «a fim de analisar em que medida pode ser necessário rever as políticas e formas de cooperação instituídas pelo presente Tratado, com o objetivo de garantir a eficácia dos mecanismos e das instituições da Comunidade». Isto é, o acervo estava ao serviço do próprio aperfeiçoamento da União, das respetivas políticas e mecanismos.

O Tratado de Lisboa não repete o acervo comunitário como objetivo nem parece reiterar a sua sacralidade. Na verdade, a anterior formulação e os corolários dela, alguns dos quais acima sucintamente referidos, chocavam com questões difíceis de resolver, como por exemplo a de saber que orientação adotar nos casos em que a melhor forma de garantir a eficácia dos mecanismos e instituições da Comunidade fosse justamente um desenvolvimento do acervo comunitário no sentido da sua redução (através, por exemplo, da renacionalização de políticas, algo durante muito tempo considerado um «atentado» ao direito comunitário e à própria essência da construção europeia).

A evolução do processo de integração europeia nos últimos anos, a par das modificações nas envolventes – sistema político, reforma institucional, sistema económico –, há muito que aponta no sentido de uma flexibilização do conceito do adquirido e do grau de proteção que lhe era concedido. O advento expresso e formal e a crescente importância do princípio da subsidiariedade confirmam-no aliás. A descomunitarização (ou renacionalização) de certas políticas e poderes tem vindo a revelar-se inevitável e até mesmo a acontecer à margem do enquadramento legislativo.

 

O Tratado de Lisboa, a meu ver, consagra até de facto a possibilidade de reversão das políticas da União. Fá-lo ao reconhecer em diversas disposições a importância do princípio da subsidiariedade (e do da proporcionalidade), cuja relevância e peso na arquitetura institucional e decisória é muito aumentada (veja-se a intervenção dos Parlamentos nacionais em defesa do referido princípio e a dimensão horizontal da respetiva consideração no plano da iniciativa legislativa); fá-lo, por exemplo, no n.º 2 do artigo 2.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE, ao reconhecer que os Estados-Membros podem recuperar competências «na medida em que a União tenha deixado de exercer a sua»; e desenvolve essa via na declaração anexa n.º 18 (regulamentando a «revogação de atos legislativos» da União).

O acervo ou adquirido da União perde assim a sua natureza intocável. Novas circunstâncias ou uma avaliação diversa das razões que levaram a um determinado conjunto de normas, à luz afinal da compreensão sobre os objetivos e eficácia das políticas, podem suscitar a modificação das regras em vigor, num crescente sobressalto de flexibilidade. Mas é ainda importante para a UE, como decorre aliás da relativa rigidez dos mecanismos que permitem a sua revisão, a manutenção da estabilidade do acervo, condição essencial para a adesão de novos Estados-Membros.

(última alteração: Outubro de 2017)
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