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Definição encontrada no Novo Dicionário de Termos Europeus
Livro Branco sobre Governança Europeia > Governança

É este um substantivo com origem no século XV, que significa basicamente "ato de governar” (ver i.a. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coor. José Pedro Machado, ed. Círculo de Leitores, 1991, e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Instituto António Houaiss, ed. Círculo de Leitores, 2003.). Na História recente das relações internacionais, com passagem por todos os níveis de relacionamento entre Estados, organizações e indivíduos, a ideia da boa governança – seja política seja corporativa – impôs-se como um objetivo, mas também como critério de avaliação e análise.

Um sinónimo frequente e também muito utilizado é «governação», ato de governar, com uma etimologia semelhante. Num caso e noutro, instalou-se uma espécie de metonímia em que o todo – a boa governança ou boa governação – surge substituído pela parte – a «governança» ou «governação». Isto é assim até em certos instrumentos de relações internacionais. Trata-se de uma incorreção, já que a governança, como a governação, pode ser boa ou má.

 

Na União Europeia, a boa governança, incluindo o compromisso entre as partes, faz parte de inúmeros instrumentos de cooperação e ajuda ao desenvolvimento. O Acordo de Cotonou, sucessor das Convenções de Lomé, inclui o conceito da boa governação como referência, de resto alargada a acordos com outros países terceiros. Ela é um fator essencial da relação entre as partes, incluindo a adoção originária e mesmo, em certas condições, a continuação da cooperação, prevendo-se a suspensão de determinados instrumentos – como ajudas, subsídios e tarifas preferenciais –, em caso de violação dos compromissos assumidos.

E em que consiste então a boa governação? A título de exemplo (significativo), veja-se o artigo 9.° n.°3 do já referido Acordo de Cotonou: «Num contexto político e institucional que respeite os direitos humanos, os princípios democráticos e o Estado de Direito, a boa governação consiste na gestão transparente e responsável dos recurso humanos, naturais, económicos e financeiros, tendo em vista um desenvolvimento sustentável e equitativo. (...) implica processos de decisão claros a nível das autoridades públicas, instituições transparentes e responsabilizáveis, o primado do direito na gestão e na distribuição dos recursos e o reforço das capacidades (...) destinadas a prevenir e a combater a corrupção».

A União Europeia adotou, em 25 de maio de 1998 e em aplicação do título V do Tratado (PESC), uma posição comum relativa aos direitos humanos, princípios democráticos, Estado de Direito e à boa governação em África. A par dos restantes elementos, e visando «incentivar e apoiar o processo de democratização em curso no continente africano» (artigo 2º), a boa governação inclui a «gestão transparente e responsável de todos os recurso de um país, a fim de assegurar um desenvolvimento equitativo e sustentável» (ibidem).

 

Mas a boa governação respeita igualmente à Europa. Em 2000, a Comissão apresentou ao Parlamento Europeu o seu mandato, que incluía, entre quatro objetivos estratégicos, a promoção de novas formas de governação europeia. Publicado em julho de 2001, o Livro Branco sobre Governança Europeia(COM(2001) 428 Final, de 25 de julho de 2001) estabelece um vínculo direto entre a (boa) governança e o futuro da Europa. Neste caso, o problema é o fosso existente (e crescente) entre os cidadãos europeus e a própria União, sua ação e objetivos. Considera a Comissão Europeia que esse distanciamento mais não é do que o eco localizado de um sentimento generalizado, que afeta a vida política e as instituições um pouco por todo o Mundo. Trata-se de um problema da democracia moderna, mas que na Europa se caracteriza por tensões e incertezas específicas e particulares. Elas minam a definição da União Europeia e o seu projeto de futuro (das suas fronteiras geográficas à própria partilha de poderes entre a organização e os Estados-Membros que a compõem). E basta lembrar que este Livro Branco foi publicado em 2001, bastante antes da crise do Tratado Constitucional e dos «nãos» francês e holandês, o que torna ainda mais curial o diagnóstico e imperativa a aplicação das terapêuticas. A crise económica gravíssima do final da primeira década do século agrava ainda mais esse sentimento e torna crucial o reforço dos eixos da boa governação, e em particular, sem dúvida, os relacionados com transparência e participação dos cidadãos.

O referido Livro Branco sobre Governança Europeia indica os princípios específicos e concretos em que essa boa governança deve assentar: abertura, participação, responsabilização, eficácia e coerência. Eles reforçam a proporcionalidade e a subsidiariedade, dois pilares da construção europeia na dimensão da tomada de decisão (e, afinal, de todos os sistemas de repartição de competências entre níveis diversos de poder). Abertura aos interesses e às opiniões, participação dos cidadãos na formação das decisões e das políticas públicas, responsabilização de todos os agentes, eficácia nos procedimentos, fazendo o melhor uso possível de bens sempre escassos, e coerência, nas estruturas (instituições) como na ação, são alguns dos vetores fundamentais de uma governação eficaz e positiva (percebida como tal).

 

Ao estabelecer de alguma forma um paradigma de boa governança, através de um conjunto de princípios e dos meios que os garantem, a Comissão considera que a União reforça a sua responsabilidade global, dimensão que deve contar com todos os intervenientes – governamentais e não governamentais – e ser um critério na adoção e execução das políticas.

A boa governação é sem dúvida um desafio colocado à natureza democrática das nossas sociedades. Há muito que as tensões entre representantes e representados, um difuso sentimento de distância e desinteresse, a crítica permanente e feroz aos titulares de cargos públicos, lançam sombras ominosas sobre a face do mais feliz dos arquétipos políticos inventados pelo ser humano, a democracia representativa.

No Mundo da globalização e dos direitos do homem, mas também das ameaças globais, do espetro do choque das civilizações e de um multiculturalismo redutor, um processo decisional participado e transparente para uma adequada gestão dos recursos é cada vez mais uma necessidade e uma exigência de uma contemporaneidade pós-nacional.

Falemos pois em «boa governação (ou governança)» com o acento tónico no adjetivo, mas sem perder de vista a vontade dos decisores institucionais e dos agentes políticos, decisiva para a efetiva aplicação dos conceitos de abertura, de participação e de responsabilidade. Na União Europeia, a meio de uma nova tempestade que lança dúvidas sobre o futuro, a resposta tem de ser mais e, sobretudo, melhor democracia.

A boa governação dispensa fugas em frente.

(última alteração: Outubro de 2017)
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