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Definição encontrada no Dicionário de Cidadania
Gastronomia

A palavra gastronomia fala grego. Provém da raiz grega: gastros – estômago, barriga – e nomos, lei. O irreverente Rabelais, iconoclasta ao tempo seria pisar o risco vermelho da prudência, no seu famoso e muito citado Pantagruel (deu o título a um operativo receituário) incensou o deus Gastro, amado e exaltado pelos comilões. Diversos estetas e amantes da boa mesa discorreram e alargaram a amplitude semântica do termo, salientando-se nesse registo Monselet, Berchoux, Grimod de la Reynière. Brillat-Savarin, Doctor Thebussem, Courmonsky, Levi-Strauss, Marvin Harris, e Jean-François Revel, entre outros.

A gastronomia de grosso modo engloba as artes culinárias e as representações culturais associadas ao acto de comer integrando a civilidade e etiqueta à mesa, dando corpo aos vínculos simbólicos, religiosos, artísticos, históricos, linguísticos, literários, políticos, científicos e técnicos daí decorrentes através dos tempos.

Por isso mesmo, a gastronomia é singular expressão da sociabilidade das gentes, as quais transformam a satisfação da necessidade de comerem num acto de convivialidade. A conduta alimentar do Homem distingue-o dos restantes animais, eis a causa e razão é ser gastrónomo. Ao ser gastrónomo, constrói uma circularidade alimentar escorada no biológico, no cultural e no psicológico que lhe concede a possibilidade de adquirir amplos conhecimentos (gastrofosia) no que tange ao acto de confeccionar um comer e dele retirar prazenteiras suculências.

Os documentos existentes em variados suportes elucidam-nos sobre a evolução do ofício de fazer comida após a domesticação do fogo, as mensagens contidas nos ritos e rituais, nas formas linguísticas, nas obras musicais, nas obras pictóricas e nos artefactos e utensílios revelam-nos outras facetas da importância da gastronomia na construção de uma cadeia alimentar que parte do mais simples para o mais delicado, do mais linear para o mais complexo.

O gastrónomo, o gourmand e o gourmet são categorias subsidiárias da gastronomia. O gastrónomo é detentor do conhecimento dos fundamentos, modos e práticas atinentes à preparação e confecção da comida. È detentor de conhecimentos no referente à formação do gosto de modo a retirar dos alimentos ampla paleta de sápidas sensações. O gourmand é no entender de alguns sinónimo de glutão, outros concedem-lhe a qualidade de acabado exemplo de paladar informado e exigente. O gourmet em diversos dicionários surge aureolado com as virtudes atribuídas ao gourmand, deixando para este os qualificativos de lambão, emborcado, guloso, além de outros de índole chocarreira e escatológica. O gourmet ganhou o estatuto de superlativo especialista requintado no que tange à apreciação de todo o género de iguarias, fazendo esquecer o gourmet (criado) cuja missão era a de ir adega buscar o vinho e servi-lo aos clientes. Seja como for, o gourmand e o gourmet são entendidos na matéria mais pela experiência aprendida e praticada ao longo dos anos, do que pela ciência recebida através da leitura de manuais e ensaios de múltiplos tons e opiniões.

Na esfera do património a gastronomia é o conjunto de referências materiais e imateriais respeitantes aos valores morais, simbólicos, civilizacionais, culturais, sociais e ambientais dos alimentos. Este conjunto de valores é saliente na vida de muitos indivíduos, cuja prática alimentar está subjacente a referências éticas e de conduta ao longo da vida.

Na actualidade o guarda-sol ou chapéu de chuva – gastronomia – é marca de alta importância económica, cultural e social não só no referente aos sectores da restauração, hotelaria e reconhecimento de espécies alimentares, também como força motriz no competitivo universo do turismo nas suas diversas variantes. Como é evidente Portugal tem plenas e robustas condições para se transformar numa potência gastronómica à escala mundial, sem sombra de pecado chauvinista o afianço. Porquê? Porque o seu território é alfobre de alimentos de natureza vegetal e animal de alta qualidade, porque as Mestras da cozinha oral e da cozinha escrita os transformaram em soberbas receitas, possuímos uma cozinha multifacetada de região para região. A nossa quase milenar história enquanto Nação independente, a gesta dos descobrimentos e consequentes aculturações fizeram de Portugal placa giratória entre o Velho e o Novo Mundo, num incessante vaivém de produtos, muitos deles incorporados na nossa ancestral cozinha marcada pela herança dos primitivos povos habitantes da Península, do ciclo alimentar romano e do ciclo árabe. Há um antes e um depois dos Descobrimentos no nosso quadro alimentar, pensemos na introdução da cana do açúcar na ilha da Madeira, nas especiarias vindas do Oriente, na malagueta oriunda da Guiné, na batata, no milho mais, no pimento e no tomate chegados do Novo Mundo. Muitos outros não são referidos por razões de espaço.

Por inépcia ou preguiça não temos sabido valorizar a nossa cozinha no quadro das diversas cozinhas regionais e locais, concebemos receitas que outros elevaram à categoria de pratos reconhecidos mundialmente, ensinámos técnicas posteriormente dadas a conhecer globalmente por quem as assimilou, veja-se o caso da tempura técnica levada para o Japão por missionários portugueses, perdemos vocábulos a designar produtos como é exemplo o triunfo na Índia do termo potato em detrimento do termo batata. Apesar do esbanjamento, apesar do desleixo na protecção dos receituários, ainda possuímos notável acervo de receitas (o oral está a perder-se todos os dias) constituindo valioso e vistoso estandarte da cultura portuguesa. Apenas com o intuito de vincar o acima afirmado ouso referir algumas receitas emblemáticas da cozinha portuguesa. Façam o favor de registar: caldo verde ou de couves como se diz no Nordeste, sopa rica de puré de peixe, sopa de lagosta à moda de Peniche, sopa de amêijoas, sopa de ostras, sopa de coentros à alentejana, sopa de lebre, omeleta de bacalhau com tomate, caldeirada de enguias, caldeirada à moda da Póvoa, dourada assada à lisboeta, linguados fritos com camarão à lisboeta, filetes de linguado frito à portuguesa, pescada no forno à portuguesa, pudim de pescada quente à Lisboeta, salmonetes à moda de Setúbal, sardinhas recheadas, sardas ou cavalas cozidas em leite à moda de Cascais, bacalhau à alba longa à moda de Sintra, bacalhau assado à moda do Porto, bacalhau de caldeirada com e sem tomate, meia desfeita de bacalhau, bacalhau frito de escabeche (serve-se frio), bacalhau `à Gomes de Sá, ensopado de camarão e de filetes de peixe à portuguesa, lagosta à portuguesa, lagosta suada de Peniche, salada de lagosta à moda de Cascais, santola e caranguejola em molho de azeite e vinagre à lisboeta, bife à cortador, bife de vaca na frigideira à lisboeta, bifes de vitela à moda do Minho, trouxa de vitela à transmontana, ensopado de cabrito à alentejana, bola de Bragança ou folar de carnes, carne de porco frita com amêijoas à marinheira, leitão assado recheado, presunto assado em boa companhia à transmontana, pombos estufados à alentejana, coelho assado à moda da Porcalhota, coelho com molho de vilão à provinciana, perdizes à Alcântara e perdizes à moda de Lisboa. * No referente a bolos e doces é transcendente a alta especialização doceira portuguesa com especial relevo para a proveniente de conventos e mosteiros, centenas de receitas de alto quilate representam formidável acervo cuja origem remonta ao período medieval. Bom proveito.


* A adnumeração das receitas é proveniente do legado culinário do notável gourmet António Oliveira Belo (Oleboma).


(última alteração: Novembro de 2013)
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