O Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação (TECG) na União Económica e Monetária, vulgarmente conhecido na gíria política e europeia como Tratado Orçamental, foi assinado em 2 de março de 2012 por 25 dos então 27 Estados-Membros da União Europeia (a Croácia ainda não era membro), excetuando-se apenas o Reino Unido e a República Checa. Entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013.
O TECG tem a natureza de um tratado internacional, situado fora do ordenamento jurídico da União Europeia, mas estritamente relacionado com o direito primário e secundário da UE por duas ordens de razões: todas as suas partes são Estados-Membros da União e o próprio tratado remete para disposições de instrumentos jurídico-políticos comunitários. Esta realidade levanta importantes questões relativamente ao princípio do primado do Direito da União Europeia e ao efeito direto das normas.
Vejamos, em primeiro lugar, no que respeita ao princípio do primado: embora o próprio tratado estabeleça uma norma de compatibilidade com o Direito da União (Título II, artigo 2.º), prevê que qualquer alteração ao direito secundário da UE prevalecerá sobre qualquer disposição do TECG. Vejamos, também, quanto à eficácia das normas: por não se tratar de um instrumento jurídico da UE, as suas disposições não gozam do efeito direto das decisões comunitárias, o que dificulta a sua aplicação plena e coerente.
O Tratado Orçamental foi celebrado com o objetivo de reforçar a vertente económica da União Económica e Monetária (UEM), através de uma tripla ação:
• de promoção da disciplina orçamental;
• de reforço da coordenação das políticas económicas; e
• de aprofundamento da governação da zona euro.
As circunstâncias da sua adoção foram marcadas pela crise financeira internacional e do subprimeque, a partir de 2008, teve consequências graves na economia mundial e, em particular, na zona euro, cuja proteção cambial e as taxas de juro muito baixas levaram a um sobre-endividamento das famílias, empresas e Estados, ao tempo em que se verificou uma quebra na poupança. Esta realidade colocou em causa a preservação do modelo social europeu, tal como perspetivado pela Estratégia de Lisboa e o cumprimento das metas de recuperação económica da Estratégia Europa 2020, baseadas no emprego, inovação, educação, inclusão social e clima e energia. Assim, o TECG procura realizar plenamente os objetivos da UE em matéria de crescimento sustentável, emprego, competitividade e coesão social, vinculando integralmente todas as suas partes contratantes que tenham o euro como moeda e todas as demais, nos termos do artigo 14.º (Título I, artigo 1.º).
O Tratado está assim, baseado em três áreas fundamentais:
• na disciplina orçamental que se funda nos princípios do Pacto de Estabilidade e Crescimento (Título III);
• na coordenação das políticas económicas (Título IV); e
• na governação da UEM (Título V).
Na primeira dimensão, de disciplina, o tratado configura um «Pacto Orçamental» que se funda numa regra de equilíbrio ou excedente orçamental: um orçamento considera-se equilibrado, para estes efeitos, quando o saldo estrutural anual das administrações públicas tiver atingido o objetivo de médio prazo (OMP) do país, tal como definido no Pacto de Estabilidade e Crescimento, com um limite de défice estrutural de 0,5% do produto interno bruto (PIB) a preços de mercado (diferença entre as receitas e as despesas públicas, excluindo os efeitos temporários ou conjunturais).
Segundo o tratado, esta regra devia ser incorporada nos ordenamentos jurídicos das partes contratantes, no prazo de um ano após a sua entrada em vigor, consagrando-a em disposições vinculativas de carácter permanente, preferencialmente de nível constitucional. Em Portugal, esta adoção não teve natureza constitucional, mas antes legal, ainda que tenha sido através de duas revisões (2014 e 2015) da Lei de Enquadramento Orçamental, uma lei de valor reforçado, nos termos da Constituição da República Portuguesa. Recorde-se que a transposição desta regra de equilíbrio orçamental é fiscalizada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia que, nos termos deste tratado, emite um acórdão vinculativo que pode ser acompanhado de sanções pecuniárias ao país incumpridor.
O Pacto Orçamental prevê ainda a hipótese de um desvio significativo do OMP de cada país ou da trajetória de ajustamento, caso em que foi configurado um mecanismo automático de correção, baseado na obrigação de tomada de medidas adequadas dentro de um determinado prazo. A única exceção situa-se nos casos em que a relação entre a dívida pública e o PIB a preços de mercado se situa abaixo dos 60%, em que se permite que o défice estrutural desse país possa atingir o 1%, sem que haja recurso ao mecanismo de correção.
Por fim, o tratado aborda a matéria dos défices excessivos, prevendo o caso de um Estado-Membro apresentar uma dívida pública superior a 60% do PIB, situação em que dispõe um período de ajustamento que reduza as percentagem em excesso ao ritmo de 5% ao ano. Por outro lado, remete-se integralmente para as disposições do direito originário da UE, em matéria de procedimento por défice excessivo.
Note-se, a título de curiosidade, que a doutrina jurídica e a jurisprudência debatem amiúde estas disposições, sobretudo no que respeita à possibilidade de «regras de ouro» nas Constituições sobre os limites da dívida pública e do défice. Com efeito, muitos autores consideram, numa outra perspetiva, que disposições como as do Pacto Orçamental, constituem uma europeização das constituições financeiras dos Estados-Membros, o que abre um interessante debate sobre o choque de atribuições da UE e dos Estados-Membros.
Na segunda dimensão, de coordenação das políticas económicas e de convergência, o TECG perspetiva uma ação coordenada mais estreita, assente na comunicação e debate prévio das suas reformas entre os Estados-Membros, na utilização mais significativa do mecanismo da cooperação reforçada para a área do euro e, mesmo, na comunicação prévia ao Conselho da UE e à Comissão dos planos de emissão de dívida pública. Assim se pretende, através de um contacto permanente entre Estados-Membros e instituições europeias, garantir a coerência e a convergência das políticas económicas e monetárias, em ordem a promover o bom funcionamento da área do euro e, por essa via, promover a competitividade económica, incentivar a criação de emprego, garantir a sustentabilidade das finanças públicas e reforçar a estabilidade financeira dos Estados e, globalmente, da UE.
Na terceira dimensão, de governação da UEM, a principal inovação é a criação da Cimeira informal do Euro, que reúne os Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-Membros que integram a zona euro, sendo que os governantes dos demais Estados contratantes podem participar nos debates, sobretudo em matéria de promoção da competitividade e de aplicação plena do TECG. Nestas cimeiras participa o Presidente da Comissão Europeia, sendo que o Presidente do Banco Central Europeu e o Presidente do Parlamento Europeu podem, também, ser convidados a participar.
A relação umbilical entre este tratado e o ordenamento jurídico-político da União Europeia atesta-se, finalmente, com a previsão, no seu último artigo 16.º, de uma ação obrigatória das partes contratantes no sentido de integrar o corpo do TECG no direito primário da UE, no quinto aniversário da sua vigência. Se tivermos em conta que a principal objeção a este Tratado teve origem no Reino Unido, a possibilidade de dar sequência ao compromisso de integração do TECG no Direito primário da União ganha força, no quadro do Brexit.
No quadro do debate político, sobretudo a nível nacional, o TECG é visto como um instrumento de aplicação de políticas de austeridade e, por isso, é combatido por sectores da esquerda europeia. Em Portugal, tanto o Partido Comunista Português como o Bloco de Esquerda, partidos frequentemente com discurso anti-europeu, defendem a revogação do tratado e, no caso particular do BE, chegou-se mesmo a propor a realização de um referendo à sua ratificação por Portugal, proposta que não chegou a lograr sucesso.