Apesar de hoje ter um significado pejorativo, considerado até inimigo da Democracia, a expressão "populismo” tem mudado de significado ao longo do tempo.
Significou uma escola literária que, nos romances, descrevia com realismo a vida das pessoas nos meios populares com menor nível económico. Para alguns autores, trata-se de uma "corrente estética e literária que busca assuntos e temas para suas obras junto ao povo mais simples, que ali é retratado com simpatia”.
Na política, o termo foi associado ao movimento que se formou na Rússia, na segunda metade do século XIX (1860), que pretendia envolver os camponeses na luta contra o Czar. Na América Latina, o populismo surgiu no século XX e teve expressão no Brasil, com Getúlio Vargas, na Argentina com Péron, mas também no México e no Peru, entre outros.
Hoje, "populismo” é uma estratégia política para explorar e manipular os sentimentos de parte de uma população com o objectivo de retirar proveitos eleitorais. Embora possa apresentar algumas diferenças em função dos protagonistas e do meio cultural onde emerge, tem geralmente algumas características comuns:
· Uma lógica bipolar: "Nós” contra "eles”. Os do povo contras as elites, os cidadãos contra o sistema. Os populistas vivem do confronto. Se forem da extrema-direita, os "outros” podem ser estrangeiros, emigrantes ou de outra raça. Se forem da extrema-esquerda, os "outros” podem ser patrões, proprietários ou banqueiros.
· Um apelo carismático: O líder populista apela directamente às massas, ao povo. Desconsidera a democracia representativa e os partidos e desconfia das intermediações. O líder populista desvaloriza o papel da imprensa e aposta quase tudo nas redes sociais.
· A exploração da indignação: O líder populista convoca a indignação e explora os medos. Denuncia problemas e injustiças, mas não apresenta soluções. A responsabilidade das medidas é dos "outros” que critica. O seu movimento é contra o que está mal e nunca em favor de uma alternativa.
· O monopólio da verdade: O líder populista considera-se o único dono da verdade. Todas as opiniões diferentes são mentiras ou vistas como a resistência teimosa das elites do Poder em reconhecer a única verdade que conta.
· A manipulação das emoções: O líder populista explora as emoções e reage com escárnio às tentativas de pesar argumentos e raciocinar logicamente e com fundamento nos factos. Isso é criticado como a frieza da classe dirigente.
· Apelo nacionalista: Os populistas, quase sempre, encorajam um discurso nacionalista que contribui para a dicotomia "nós e eles” e facilita o discurso de denúncia de centros de poder, que estão mais distantes e nem sempre são compreendidos.
Ao populismo associa-se igualmente o vácuo ideológico. Com efeito, o populismo não é, em si mesmo, uma ideologia política. Antes, aloja-se em ideologias "hospedeiras”, dado que procura parasitar movimentos sociais ou políticos emergentes que, em determinado momento, recolham maior simpatia pelas pessoas que procura mobilizar. O que se torna evidente na existência de populismos de esquerda e direita por todo o mundo. No plano regional vemos que na América do Sul são mais comuns os populismos de esquerda (muitas vezes relacionados com o discurso anti-colonial e anti-imperialista histórico) e na Europa são mais comuns os populismos de direita (muitas vezes relacionados com o discurso nacionalista e soberanista).
A adjectivação de populismo tem hoje um teor pejorativo, com origem nas manifestações históricas e actuais de movimentos populistas. Por um lado, historicamente, estes fenómenos resultaram sempre (quando ascenderam ao poder) em ditaduras políticas. Por outro lado, actualmente, os movimentos populistas rejeitam os ideais de Liberdade, Democracia, Estado de Direito, respeito pelos direitos fundamentais e tolerância que fundam a nossa civilização. Por isso se diz que o populismo é um inimigo da Democracia.
Porque é o populismo um inimigo da democracia?
É natural que um político sinta os anseios das populações e é até desejável que os ouça e defenda. Contudo, os populistas limitam-se a identificar ou manipular anseios, desilusões ou frustrações de partes da população e ficam pelo diagnóstico dos problemas, que acompanham sempre da promessa de soluções milagrosas. Normalmente sempre contra qualquer coisa e nunca a favor do que quer que seja. Essa é a grande diferença. Um político deve identificar problemas, ouvir os cidadãos e propor soluções. O que um populista faz é explorar esses problemas, incentivar a revolta com esses problemas e tirar proveito eleitoral com discursos radicais.
O populismo é aliado da democracia apenas na aparência. De facto, o discurso típico populista apela ao respeito absoluto pelo princípio da maioria, recorrendo amiúde a argumentos ad populum (falácia que determina que um argumento é válido só por ser popular ou subscrito por uma maioria da amostra da população). Contudo, esta postura de defesa absoluta da vontade da maioria é naturalmente oposta à ideia de democracia, uma vez que ignora (e até combate) os direitos das minorias e rejeita o sistema de "pesos e contrapesos” da democracia liberal como a concebemos.
Por fim, o populismo é inimigo da democracia por uma questão de prova histórica. Note-se que os principais movimentos populistas surgiram em situações de crise global ou regional e floresceram na ausência de respostas dos sistemas tradicionais para os problemas de determinada circunstância histórica. O séc. XX teve infelizes manifestações desta teoria, mas o séc. XXI mostra-nos a sua actualidade, em toda a amplitude de populismos da mais diversa natureza. Aliás, a emergência das redes sociais como forma de comunicação directa e sem intermediação dos meios tradicionais, entre políticos e eleitores, sendo um aspecto intrinsecamente positivo, está a ser desvirtuado exactamente por agentes populistas.