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Definição encontrada no Novo Dicionário de Termos Europeus
Europa

Continente com uma área de 10 milhões de km2, limitado a Norte pelo Oceano Árctico, a Sul pelo Mar Mediterrâneo, a Oeste pelo Oceano Atlântico, a Leste pelos Montes Urais e a Sudeste pelo Cáucaso e pelos Mares Negro e Cáspio.

O vocábulo Europa parece ter tido lendária origem num mito grego. A admirável filha assim chamada de Agenor, rei de uma cidade da Fenícia, teria sido trazida da Ásia para Creta pelo maior dos deuses gregos, Zeus, por ela apaixonado, metamorfoseado em touro. Teriam tido vários filhos e mais tarde Europa teria casado com Astérion, rei daquela ilha.

Tratando-se do continente detentor da costa mais recortada, é o mais aberto às influências marítimas. Por outro lado, a ausência de verdadeiras fronteiras naturais a Leste e a escassa largura do Mediterrâneo tornaram a Europa permeável às migrações dos povos oriundos de outros continentes e às influências das primeiras civilizações do Próximo Oriente. Outros factores, como a diversidade climática e as interinfluências resultantes de contactos intercontinentais, contribuíram também para a grande variedade de línguas e culturas que a caracterizam, tornando-a irredutível a qualquer sistema de explicação (segundo Denis de Rougemont, entre outros).

Não admira por isso que – apesar de inúmeros filósofos, historiadores, antropólogos e sociólogos, entre eles vários portugueses (ver Martim de Albuquerque, Primeiro Ensaio sobre a História da Ideia de Europa no Pensamento Português, 1983), terem procurado definir a Europa e as suas características próprias – esteja longe de se verificar consenso, sendo as opiniões contraditórias, incompletas e bastante subjectivas. O presente texto não pode escapar a estas dificuldades, sobretudo por se tratar de uma breve tentativa de caracterização da Europa. Acresce ainda que, como salientou Eduardo Lourenço, «a vocação europeia foi, desde os gregos, a possibilidade de a Europa se pensar – mesmo com orgulho e ilusão – como um lugar de universalidade e não fazer da Europa o seu próprio objecto».

Por outro lado, muitos têm referido a existência de várias «Europas»: as do Norte, do Sul, do Ocidente, do Oriente, do Meio ou Central; a latina, a germânica, a anglo-saxónica, a eslava; as de maioria católica, protestante ou ortodoxa, sem esquecer a que se declara agnóstica; a que vive há séculos em democracia e a que só há alguns anos a adoptou; aquela que alguns fazem coincidir com a União Europeia e a que abrange os vários países que dela não são membros; etc.

«A dificuldade de pensar a Europa é a de pensar uma unidade múltipla e a identidade na não-identidade.» (Edgar Morin, Penser l’Europe, 1987). O princípio dialógico pode, prossegue Edgar Morin, ajudar-nos a compreender o enigma europeu. Duas ou mais lógicas diferentes ligam-se numa unidade de modo complexo (complementar, concorrente e antagonista) sem que a pluralidade se perca na unidade.

Se é quase impossível definir a Europa, a verdade é que, como notou Hélène Ahrweiler, os povos do continente têm orgulho em ser chamados europeus e é evidente que para os não europeus a Europa existe e é reconhecida como entidade histórica, muitas vezes como um modelo de vida e de cultura, como comunidade de povos que partilham interesses, sonhos, uma herança e um destino comuns.

Karl Jaspers definiu a Europa através dos conceitos de liberdade (como vitória sobre o arbitrário), história (como encontro e diálogo), ciência (como apelo à verdade e à vontade de conhecer o conhecível).

Para lá da diversidade cultural, política, de hábitos e de vontades e da sua multipolaridade, a Europa caracteriza-se pela abertura. Dela resultaram sólidas ligações com todos os outros continentes, em muitos casos decisivamente iniciadas, acentuadas noutros, pelos descobrimentos portugueses, das quais decorreram inúmeras interinfluências nas culturas, nas línguas, nos modos de vida, nas próprias aspirações dos vários povos. Diversas línguas europeias adquiriram assim dimensão pluricontinental.

A Europa caracteriza-se também pela incerteza que decorre da liberdade. Se noutros continentes o futuro pareceu por vezes (demasiado) previsível, a Europa distinguiu-se pela imprevisibilidade, para o bem e para o mal. A vontade de inovação, a permanente inquietação, a não-aceitação sem revolta dos mais graves atentados à justiça e à liberdade não são alheias àquele facto. Mas também não o foram vários tempos de delírio e intolerância vividos ao longo dos séculos. Pode-se mesmo sustentar que não foram Europa e perderam a qualidade de europeus os que criaram, dirigiram ou apoiaram os sistemas totalitários que, no século XX, atormentaram o mundo, renegando brutalmente o humanismo e os valores que caracterizam a Europa.

A Europa tem passado e raízes comuns. O pensamento e o espírito científico dos gregos, o direito, os ideais políticos, a afirmação da paz como valor fundamental dos romanos, os valores do cristianismo, sem esquecer as influências de outras religiões, designadamente a judaica, as inspirações legadas quer pela Magna Carta, pela revolução e pelo parlamentarismo ingleses, quer pelo iluminismo e pela revolução francesa, as inovações resultantes dos movimentos de trabalhadores iniciados no século XIX e dos movimentos de reivindicação dos direitos das mulheres são componentes essenciais desse passado que explicam o presente.

Entendo, como outros, que a estrutura nuclear da Europa plural assenta na matriz cristã. Não tanto como religião bimilenária largamente maioritária na Europa, mas sobretudo como «civilização integradora da herança comum, quer grega quer latina, com diferenças que perduraram até hoje a Oriente e Ocidente», como sublinha Maria Fernanda Enes («A ideia da Europa e construção europeia: a propósito do preâmbulo da Constituição», Cultura, vol. XIX, 2004). Mas é claro que esta constatação não autoriza afirmações redutoras, como, por exemplo, «a Europa é o cristianismo», que Jan Patòcka com razão criticou.

É verdade que os próprios e insuspeitos enciclopedistas já entendiam no século XVIII que a razão mais importante do maior avanço da Europa no mundo de então era o cristianismo, religião à qual devíamos «no governo um certo direito político e na guerra um certo direito das gentes (…); parecendo não ter outro objectivo que a felicidade numa outra vida, ele faz ainda a nossa felicidade nesta» (Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers – direcção de Diderot e D’Alembert).

O cristianismo, como matriz de civilização, foi produtor de sentido. Esta é uma das razões pelas quais a Europa é sobretudo uma comunidade de valores.

Ora os seus valores humanistas são resultado de uma transferência para a pessoa dos valores que o cristianismo ensinou. No entanto, tais valores são matriciais, sendo adoptados em conjunto com uma pluralidade de outros que são variáveis entre os povos da Europa.

A dignidade humana é o valor supremo e central dos povos europeus. «A conquista suprema da Europa chama-se a dignidade do homem e a sua verdadeira força é a liberdade», escreveu Denis de Rougemont.

O primado da pessoa, «nosso princípio e nossa meta» no dizer de Francisco Sá Carneiro, está inscrito nos textos fundamentais europeus, na Constituição portuguesa e sobretudo no espírito da larga maioria dos europeus. Dele resulta que há hoje, pela primeira vez na História, um continente inteiro livre da pena de morte. Os Estados não podem mais aplicar penas desumanas e degradantes, violadoras da dignidade da pessoa humana, nem arrogar-se o poder de correr o risco insuportável, tantas vezes concretizado no passado, de executar inocentes.

A liberdade de expressão, de crítica, de criação, de religião, de associação é outro valor que distingue também a Europa. Mas está associada aos valores também essenciais da igualdade de direitos e de oportunidades, da paz, da solidariedade e da responsabilidade. Todos eles permitiram a iniciativa criadora na cultura e na ciência, como na economia, a qual abriu novos horizontes criando diversidade e riqueza, suportes do bem-estar de que usufrui uma significativa parte dos europeus.

A Europa é, finalmente, uma comunidade de destino. Os europeus têm crescente consciência de estarem ligados por um futuro comum e de só em conjunto poderem ultrapassar as graves fragilidades de que vão tomando consciência: demográficas, ambientais, energéticas, a pobreza e a exclusão social, as carências nos domínios da inovação científica e da segurança, designadamente face ao terrorismo, bem como na manutenção da competitividade numa economia global.

Só em conjunto os europeus podem evitar sérios riscos, alguns dos quais contêm afloramentos de resquícios totalitários: a tentação de rever a História nos pontos que não agradam aos «politicamente correctos», querendo fazer dela não o que foi mas aquilo que gostariam que tivesse sido; a defesa de «sociedades perfeitas» mitológicas, sempre deterministas e transpersonalistas, esquecendo que as sociedades podem melhorar-se a si próprias mas, como escreveu Francisco Lucas Pires sobre a Europa, «sem a ilusão de fixar um fim a uma aventura que sempre foi no essencial a da própria liberdade e permanente reinvenção da História» (O que é a Europa, 1992); qualquer tentativa de encerramento da Europa sobre si mesma, indiferente à sorte dos que vivem noutros continentes, negadora da universalidade e da abertura que são suas características essenciais, em vez de estar disponível para compreender que outros podem viver a partir de alicerces diferentes. A Europa deve seguir «o caminho dos romanos», como uma entidade que tem, de acordo com os seus princípios fundamentais, de se abrir a outras entidades com identidades diferentes, dando e adoptando algo daquilo que cada uma tiver de universal.

Há um século, a comunidade de destino caracterizava somente o Estado-Nação. Emerge hoje, progressivamente, como uma consciência a nível continental, permitindo esta conclusão: só em harmonia resultante da pluralidade poderão todos os europeus prosseguir no futuro o longo caminho ascendente que, apesar dos recuos em tempos obscuros, têm trilhado.

(última alteração: Outubro de 2017)
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