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Definição encontrada no Novo Dicionário de Termos Europeus
Manifesto de Ventotene > Estados Unidos da Europa

Utopia ou objectivo realizável? A criação dos Estados Unidos da Europa é uma aspiração antiga na Europa:

"Um dia virá em que as vossas armas caiarão das vossas mãos. Um dia virá em que a guerra parecerá absurda e impossível, entre Paris e Londres, Petersburgo e Berlim... um dia virá em que tu, França, e tu, Rússia, tu Inglaterra, tu Alemanha, vocês todas, nações do continente, sem perderem as vossas distintas qualidades e a vossa gloriosa individualidade, serão unidas estreitamente no âmbito de uma unidade superior e formarão uma irmandade europeia...um dia virá em que as balas e as bombas serão substituídas por votos, pelo sufrágio universal dos povos...”.

 

E Vítor Hugo, escritor e filósofo francês do século XIX, o celebrado autor de Les Misérables, concluía assim aquelas palavras pronunciadas durante o Congresso Internacional da Paz que teve lugar em Paris, em 1849: "Um dia virá em que veremos (...) os Estados Unidos da América e os Estados Unidos da Europa face a face, procurando-se para lá dos mares”.

 

O século XIX, aliás, foi fértil em apelos à união dos povos europeus numa forma qualquer de organização política supranacional: logo em 1815, aquando do Congresso de Viena, Claude Henri, conde de Saint-Simon comunicou aos delegados que aquilo de que a Europa necessitava era de um governo próprio e internacional que conduzisse à criação de uma comunidade europeia assente num patriotismo europeu capaz de sujeitar o nacional. Em 1843, o escritor italiano Giuseppe Mazzini pediu a criação de uma federação de repúblicas europeias; outras personalidades europeias reforçaram o conceito, de Michelet a Chateubriand, de Gög a Carlos Cattaneo, que escreve: só há duas saídas possíveis, a autocrática ou os Estados Unidos da Europa. Num congresso pela paz e liberdade, realizado em Genebra em 1867, o anarquista Bakunine sublinhou que só um caminho tornaria impossível a guerra civil entre os vários povos que constituem a família europeia, e que esse caminho é justamente o da constituição dos EU da Europa. Um apelo nesse sentido foi aliás feito pela própria Assembleia Nacional francesa, em 1 de março de 1871.

 

O conceito regressou em força no século XX, em particular após o final da primeira guerra mundial. Edouard Herriot, político francês defensor da via da união, escreveu inclusivamente um livro com esse título, em 1931, e Wiston Churchill usou o termo no célebre discurso de setembro de 1946, pronunciado na Universidade de Zurique: "Temos de construir uma espécie de Estados Unidos da Europa...”. Já em plena guerra, Altiero Spinelli, Ernesto Rossi e Eugenio Coporni tinham apelado, no manifesto de Ventotene (agosto de 1941) à constituição de uma Federação Europeia.

O problema parece justamente ser o de saber do que falamos quando falamos de Estados Unidos da Europa: poderá ser uma verdadeira federação de Estados (ou até uma união de Estados, num modelo radical de unificação aparentemente fora de questão)? Uma confederação? Ou outra forma de organização política qualquer? No limite, a questão está em saber onde residirá, nessa organização, a soberania. E a expressão em causa significa também, ao ponto da equivalência sinonímica, a concretização de uma união política entre os membros da organização.

A tratar-se de uma federação, a soberania última – a "kompetenz-kompetenz” – deixaria de residir nos membros para passar a residir na federação (os EU da Europa); não parece legítimo inferir do Tratado em vigor na UE, mesmo na sua versão actualizada pós Tratado de Lisboa, bem como na respectiva evolução, que haja uma tendência no sentido da constituição de uma verdadeira federação europeia. É até perceptível na mais recente (re)arrumação dos actores institucionais da União uma forte tendência (por alguns referida como deriva) intergovernamental.

É certo que a uma confederação genuína, forma de organização política inexistente no Mundo actual, dificilmente se poderá atribuir a designação "Estados Unidos da Europa”: não se trata, refere Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, tomo II, Coimbra Editora, 1988), de um novo poder político, pois que a soberania continua a residir inteira nos Estados que a constituem.

 

Outras abordagens e modelos políticos têm sido assimilados à UE como outras tantas tentativas de conceptualização da sua natureza: é o caso paradigmático da ideia da Federação de Estados-Nação, sugerida por Jacques Delorsnos anos 90 e a que aderiu Francisco Lucas Pires em 1995: tratar-se-ia de um modelo a meio caminho entre a Federação clássica – e os Estados Unidos da Europa – e um "federalismo sem Estado, união mais estreita possível para cá da estadualização” (vide A Revolução Europeia, Lisboa, Gabinete do PE em Portugal, 2008).

No fundo, a evolução da União Europeia, no que à sua natureza diz respeito, parece prosseguir sem um rumo verdadeiramente definido e, sobretudo, sem qualquer tipo de obediência a modelos conhecidos ou pré-existentes. Existem neste continuado OPNI (objecto político não identificado), para recuperar a decantada expressão inventada por Jacques Delors, elementos de todos os tipos e modelos de organização política, da federação à confederação, passando pelas típicas formulações do direito e da contratação internacional pública.

Mas não há – e talvez não venha a haver num horizonte próximo e verificável pelas gerações actuais de europeus – uns Estados Unidos da Europa, pelo menos no sentido que à expressão (e ao conceito) foi dado pela História, pelos idealistas de todos os quadrantes, por políticos e cientistas políticos de créditos firmados.

Escreveu George Washington ao Marquês de La Fayette que "um dia, à semelhança dos Estados Unidos da América, existirão uns Estados Unidos da Europa”. Não é para já.

(última alteração: Outubro de 2017)
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