A fragmentação dos meios, com a duplicação (intra-UE) de esforços e orçamentos, e a pulverização de resultados são os problemas mais evidentes das Forças Armadas dos Estados-Membros – factos que contribuem para uma baixa capacidade de destacamento de forças em operações militares da União. Dos cerca de 2 milhões de militares dos Estados da UE, estima-se que apenas 10% estão em condição de serem destacados. A contração dos orçamentos de defesa (desde 2007) e a crise financeira de 2008 vieram aguçar a urgência da cooperação no domínio da defesa – não somente em termos de interoperabilidade ou no destacamento de missões e operações que correspondam às ambições políticas da União, mas também ao nível do desenvolvimento de projetos e programas.
A Cooperação Estruturada Permanente (CEP) é um instrumento introduzido pelo Tratado de Lisboa (artigo 42.º e 46.º do TUE e Protocolo 10), que permite uma maior cooperação entre os Estados-Membros que disponham das capacidades militares necessárias e que se tenham comprometido a cooperar mais profundamente no domínio da defesa.
O TUE (artigo 42.º n.º 6) prevê que poderão participar os Estados-Membros que o desejarem e "cujas capacidades militares preencham critérios mais elevados e que tenham assumido compromissos mais vinculativos na matéria tendo em vista a realização das missões mais exigentes”.
O artigo 46.º estipula que os Estados-Membros que desejam participar notificam o Conselho e o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.
Cabe ao Conselho por maioria qualificada (pós consulta ao Alto Representante):
• determinar a lista dos Estados-Membros participantes no início;
• associar posteriormente outros Estados-Membros que o peçam;
• suspender a participação de um Estado-Membro que "deixe de preencher os critérios ou de poder satisfazer os compromissos dos artigos 1.º e 2.º do Protocolo”.
Qualquer Estado-Membro pode abandonar a CEP a qualquer momento notificando o Conselho.
Verificamos, portanto, uma mitigação da regra da votação por unanimidade: as decisões que tenham implicações militares continuam a exigir essa regra, mas outras deliberações como o estabelecimento da CEP, a entrada e a suspensão de membros, passam a ser tomadas por maioria qualificada.
As decisões dentro da CEP são tomadas por unanimidade dos Estados-Membros participantes.
O artigo 1.º do Protocolo 10 anexo ao Tratado de Lisboa prevê que os Estados-Membros que queiram integrar a CEP:
• procedam de forma mais intensiva ao desenvolvimento das suas capacidades de defesa, através do desenvolvimento dos respetivos contributos nacionais e, se for caso disso, da participação em forças multinacionais nos principais programas europeus de equipamento e na atividade da Agência Europeia de Defesa;
• sejam capazes de fornecer, unidades de combate especificamente treinadas para as missões programadas, configuradas em termos táticos como um agrupamento tático, com os respetivos elementos de apoio, incluindo o transporte e a logística, que estejam em condições de levar a cabo as missões a que se refere o artigo 43.º do Tratado da União Europeia, num prazo de 5 a 30 dias (designadamente para responder a pedidos da Organização das Nações Unidas, e que possam estar operacionais por um período inicial de 30 dias, prorrogável até 120 dias, no mínimo).
O artigo 2.º do mesmo Protocolo, entre outras obrigações, prevê que esses Estados-Membros se comprometam a:
a) Cooperar no sentido de alcançar objetivos acordados relativamente ao nível das despesas de investimento em matéria de equipamentos de defesa;
b) Aproximar os seus instrumentos de defesa, harmonizando, nomeadamente, a identificação das necessidades militares, colocando em comum e, se for caso disso, especializando os seus meios e capacidades de defesa, e incentivando a cooperação nos domínios da formação e da logística;
c) Tomar medidas concretas para reforçar a disponibilidade, a interoperabilidade, a flexibilidade e a capacidade de colocação das suas forças no terreno, identificando, designadamente, objetivos comuns em matéria de projeção de forças.
d) Cooperar no sentido de garantir que os Estados-Membros participantes tomem as medidas necessárias para colmatar as lacunas constatadas no âmbito do «Mecanismo de Desenvolvimento de Capacidades»;
e) Participar no desenvolvimento de programas comuns ou europeus de grandes equipamentos, no âmbito da Agência Europeia de Defesa.
A leitura deste artigo 2 deverá ser cuidada. Critérios como a percentagem do PIB despendida em Defesa, ou demasiada atenção à forma como investimento é feito (em vez do foco nas capacidades passíveis de serem destacadas) podem transformar a CEP num clube exclusivo (só para os Estados-Membros que cumprem os critérios) e não num mecanismo inclusivo que maximize o número de Estados. A CEP não pode correr os riscos de criar uma Europa da Defesa a duas velocidades. Poderão ser encontrados critérios de outra ordem: o nível ou índice de destacamento das Forças Armadas; a não diminuição dos orçamentos de Defesa; ou o rácio de participação em projetos iniciados pela Agência Europeia de Defesa.
Da estruturação exposta da CEP retiramos que a sua estatuição serve dois propósitos fundamentais: por um lado, procura aprofundar a integração em matéria de defesa e a Política Comum de Segurança e Defesa, permitindo a um conjunto de Estados-Membros executarem operações civis e militares em nome de toda a UE; por outro lado, abre caminho ao desenvolvimento das capacidades militares operacionais dos Estados-Membros e, ao fazê-lo (atenuando a fragmentação e a duplicação de esforços) gera economias de escala importantes para a coerência das políticas de defesa de cada Estado e da PCSD. Este objetivo de maior integração é prosseguido num sentido top-down: os Estados-Membros com maior vontade política e capacidade operacional militar lideram um processo de maior cooperação que, em lugar de fragmentar políticas, estimula a participação nesta estratégia, na medida em que eleva os custos da ausência do mecanismo.
A CEP entra como instrumento da União no Tratado de Lisboa (2007). Será relevante, também, sublinhar que a Agência Europeia de Defesa (AED), inicialmente prevista no Tratado Constitucional, é criada em 2004 através de um instrumento anormal para este efeito – uma Ação Comum – imediatamente antes do falhanço da Constituição (então rejeitada por franceses e holandeses). Esta nova instituição serve agora de pivô no que corresponde à correlação de dados, à análise e à avaliação para o estabelecimento de critérios da CEP – que serão, em última instância, sempre uma prerrogativa dos Estados-Membros.
A Agência Europeia de Defesa conta com um exercício de identificação das capacidades prioritárias (o Plano de Desenvolvimento de Capacidades, de 2008), que pode bem servir para uma base de identificação dos programas e projetos contidos na CEP. A AED dirige igualmente um exercício estatístico de indicadores de referência no que respeita a dados de Defesa – certamente válidos no que respeita ao nível de compromisso e capacidade de cada um dos 27 Estados (todos os Estados-Membros da UE, com exceção da Dinamarca). A própria Agência é dotada de mecanismos de cooperação no domínio da Defesa: programas cooperativos de formato opt-in (um grupo de Estados-Membros que pretendem desenvolver um projeto de forma cooperativa, ou a Agência, propõem um dado projeto, ao qual os demais, no seu interesse, se associam) ou opt-out (programas dirigidos a todos os Estados-Membros da Agência, mas dos quais qualquer Estado-Membro se pode desvincular, no seu interesse). No jargão da Ação Comum, os projetos opt-insão referidos como "categoria B” e os projetos opt-outsão denominados por "categoria A”. Ambos são mecanismos de cooperação no âmbito da Defesa.
A esta distância, restará conhecer o nível de consenso na identificação dos critérios – assim como a vontade dos Estados-Membros de tornar a CEP numa plataforma efetiva de cooperação.
A CEP assume-se, portanto, como uma das principais inovações do Tratado de Lisboa em matéria de PCSD. A sua estruturação, resultante de um processo histórico que remonta às origens do projeto de integração europeia, procurou atenuar as divergências de três grupos de Estados-Membros: os que querem maior integração em matéria de defesa (tradicionalmente França, Alemanha e Benelux), os atlanticistas (como o Reino Unido, que se preocupam com a primazia da OTAN como estrutura primordial de defesa e destacamento militar) e os neutrais (como a Dinamarca, a Suécia, a Irlanda ou a Áustria). Assim, a CEP assume-se como um instrumento europeu de teor intergovernamental, uma vez que mantém a regra da unanimidade para a tomada de decisão em situações com implicações militares, ao mesmo tempo em que associa os critérios de participação mais à vontade política que a aspetos técnicos. Apesar desse carácter eminentemente intergovernamental, a constituição da CEP é um passo em frente no processo gradual e progressivo de integração das políticas de defesa.