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Definição encontrada no Novo Dicionário de Termos Europeus
Confederação > Federalismo

O federalismo, enquanto conceito jurídico-político que subjaz a uma categoria específica de Estado complexo ou composto, resulta claramente de uma fórmula de compromisso na qual se cruzam elementos unitários e elementos diferenciadores.

A sua origem, historicamente ligada ao nascimento dos Estados Unidos da América – que constituem, ainda hoje, o arquétipo do Estado Federal –, permite-nos confirmar, em concreto, esse cruzamento.

É sabido que, sobrevinda a paz na guerra de independência contra o Reino Unido, a estrutura confederal que havia sido criada, em 1777, pelos Articles of Confederation, justamente para garantir condições de sucesso nesse conflito, se mostrava ineficaz para responder aos novos problemas económicos, financeiros e de outras diversas índoles, surgidos no relacionamento entre os Estados-Membros da Confederação. É que, com um Congresso na total dependência dos Estados, sem meios económicos, sem poder executivo comum e sem um Supremo Tribunal também ele comum, a Confederação era incapaz de corresponder àquilo que dela se esperava. Ora, nesse contexto, a convocatória para a Convenção de Filadélfia, em 1787, tinha pois um propósito claro: eliminar os defeitos identificados no modelo confederal e estabelecer uma união mais próxima e mais perfeita entre os Estados.

Os resultados da Convenção vieram, porém, a revelar-se bem mais audaciosos do que inicialmente se pretendera, dando origem à primeira estrutura federal moderna, instituída pela Constituição dos EUA, que viria a substituir os Articles of Confederation, entrando em vigor em 1789. O modelo aí construído, centrado nos artigos quarto, quinto e sexto, resulta num complexo e delicado equilíbrio, assente, essencialmente, na coexistência entre Estados particulares e uma autoridade central. Reconhece a supremacia da Constituição Federal e das leis federais sobre as Constituições e as leis dos Estados federados, mas atribui a estes um amplo leque de direitos e deveres. Conjuga, em simultâneo, como se disse, princípios unitários e princípios diferenciadores, conjugação essa que se pode resumir nos seguintes termos:

 

a) Princípios unitários

• exercício de um poder constituinte único, traduzido na aprovação de uma Constituição Federal e na consequente primazia do direito federal e na sua aplicação a todo o território e a todo o povo, sem intermediação de nenhum tipo;

• delimitação do conceito de nacionalidade ao nível da Federação – a chamada cidadania federal –, com a atribuição desse estatuto, em condições de total igualdade, a todos aqueles que sejam cidadãos de qualquer Estado federado;

• partilha, entre todas as unidades territoriais que compõem o Estado Federal, dos mesmos princípios de organização social e política (homogeneidade político-constitucional).

b) Princípios diferenciadores

• existência de unidades políticas territoriais diferenciadas, com vontade política autónoma e dotadas de uma Constituição própria;

• existência de um poder legislativo próprio, exercido através de uma Assembleia eleita pelos cidadãos, o que está na base de um modelo de criação plural de direito;

• existência de autonomia económica, traduzida na titularidade de poder tributário próprio ou na consagração de fontes de recursos financeiros constitucionalmente garantidas.

 

O ponto central na estruturação jurídica do Estado Federal – que permite destrinçar a sua Constituição da de um Estado Unitário – reside, especificamente, na separação de poderes. Aqui, existe uma única, de tipo horizontal. Ali constata-se uma dupla divisão de poderes – horizontal no âmbito da Federação e vertical no plano das relações entre a Federação e os Estados federados. E, por isso, o estudo do Estado Federal obriga a surpreender, nessa análise, três patamares distintos:

 

• o momento da unificação do poder, que corresponde à génese do próprio Estado Federal e ao exercício do poder constituinte originário, o qual pode resultar da união de vários Estados independentes (como sucedeu com os EUA, num movimento centrípeto) ou da federalização de um Estado até então unitário (como ocorreu com o Brasil, num movimento centrífugo);

• o momento da distribuição do poder, que se reporta à repartição de competências entre a Federação e os Estados federados e que origina a delimitação de competências exclusivas de ambos e de competências concorrentes;

• o momento da coordenação de poderes, que envolve a determinação das relações de supremacia do Estado Federal sobre os Estados federados (e da consequente subordinação destes), mas também de relações de participação que delimitam o modo como estes continuam a estar envolvidos no decision-making process federal.

 

Importa recordar que, uma vez instituída uma federação, é esta que assume personalidade e capacidade jurídica internacionais, isto é, torna-se o sujeito de Direito Internacional Público, no sentido clássico. Assim, só a estes assistem os direitos de celebrar tratados (jus tractuum), de enviar e receber representantes diplomáticos (jus legationis), de declarar guerra (jus belli) em legítima defesa, de reclamar ou impugnar decisões de órgãos jurisdicionais internacionais e, finalmente, de participar em organizações internacionais. Os Estados federados (enquanto Estados não soberanos) não têm acesso à vida internacional: só podem celebrar tratados internacionais e aceder a alguns direitos internacionais por via de autorizações ou delegações do poder central. Situação excecional verificou-se com a Ucrânia e a Bielorrússia, entre 1945 e 1991, membros das Nações Unidas enquanto repúblicas da União Soviética (por uma questão política de equilíbrio de poderes).

Abordemos agora, também sucintamente, a temática do federalismo na Europa, a qual assume uma natureza multifacetada, pois não se limita a uma abordagem meramente técnico-jurídica que procure discernir os elementos estruturantes típicos de um Estado Federal, nem a uma identificação do presente modelo político com qualquer outro, prévia e indiscutivelmente estabelecido como tal – como os EUA –, baseado em aparentes semelhanças em matéria de poder, influência ou autoridade.

O ponto de partida para a análise já atrás ficou bem claro: no cerne de um qualquer fenómeno de cariz federal está sempre um mecanismo de repartição de competências entre uma entidade política central e um número maior ou menor de entidades estaduais.

Assim, numa abordagem mais entroncada na ciência política, pretende-se determinar se a Europa comunitária é ou não uma entidade federal ou de cariz federalizado, atendendo, essencialmente, às relações de poder entre os Estados-Membros, entre estes e as instituições comunitárias, ou mesmo entre estas. Não é, destarte, raro verem-se análises «federalistas» assentes, entre outros critérios, na presença ou ausência de um «líder europeu», no «diretório» França/Alemanha, nos «interesses estratégicos» britânicos, no carisma e autoridade (ou falta deles) do Presidente da Comissão Europeia.

Tais aproximações analíticas – sendo úteis, senão mesmo necessárias, à compreensão do fenómeno europeu e da integração europeia (a Europa hoje terá de ser vista e estudada sob uma multidisciplinariedade crescente) – encontram-se a jusante da questão sob escrutínio.

A montante e, por isso, no cerne da temática, os institutos e os fenómenos jurídicos serão ainda os decisivos para a consideração da União Europeia como uma possível federação.

Nesta linha de raciocínio caberá recordar, em primeiro lugar, que os pais fundadores da Europa (Monnet, Schuman, De Gasperi, Adenauer, entre outros) tinham, indiscutivelmente, uma ideia federalista para a Europa. A conhecida «Declaração Schuman», de 9 de maio de 1950 – origem próxima da instituição, em 1951, da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, primeira das três Comunidades que chegaram a coexistir com a União Europeia –, referindo duas vezes a palavra «federação», é prova evidente disso.

 

Por seu turno, e por razões políticas bem conhecidas, nenhum dos tratados que instituíram as Comunidades Europeias, assim como os tratados de revisão, utiliza, uma vez que seja, a expressão em causa. E essa é uma opção de fundo que não foi posta em causa pelo Tratado de Lisboa.

Assim, e não entrando em detalhes sobre a verdadeira natureza jurídica das Comunidades e da União (por não ser este o local próprio), sempre se poderão assentar algumas premissas importantes para a abordagem do problema: a primeira é a de que o projeto, em si e de acordo com ideários políticos, tem indiscutivelmente uma vocação federal; em segundo, e no entanto, será a vontade política concreta e a sua consequente conformação jurídica que ditará, por último, se e/ou quando estaremos perante uma entidade verdadeiramente federal.

E, na falta de previsão expressa dos tratados comunitários – mesmo no projeto de Tratado que estabelecia uma Constituição para a Europa –, outros critérios jurídicos entrarão em linha de conta para a determinação da realidade subjacente ao projeto europeu. E esses serão, por exemplo, o número e natureza das competências transferidas (e/ou delegadas) pelos Estados-Membros para a União Europeia; a repartição dessa competência e os critérios que presidem ao respetivo exercício; o desenho do quadro institucional da União, o tipo de ordem jurídica instituída e o modo do controlo jurisdicional da «legalidade» comunitária.

Sem pormenorizar, sempre se poderá afirmar que a divisão de competências União/Estados está muito longe de se comparar a um típico Estado Federal. A autonomia dos Estados-Membros, sobretudo em matéria de política externa, defesa e relações diplomáticas, assim o comprova.

Ao mesmo tempo, porém, o desenho do atual quadro institucional único da União, se bem que ainda demonstre, à vista desarmada, algumas afinidades com um aparelho institucional de uma organização internacional de cooperação, se melhor analisado poderá ser comparado ao quadro constitucional de uma união federal, com a Comissão Europeia a constituir o órgão executivo, o Parlamento Europeu a câmara baixa do legislativo, o Conselho a câmara alta e os Tribunais os órgãos da função jurisdicional.

Será, no entanto, na ordem jurídica comunitária, associada à defesa da «legalidade» comunitária efetuada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, que melhor e há mais tempo se denotam semelhanças com o federalismo. Na verdade, o princípio da aplicabilidade direta, o princípio do primado do Direito da União Europeia e o meio processual previsto, hoje, no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (reenvio ou questão prejudicial) levam a que o ordenamento comunitário se «comporte» como um verdadeiro ordenamento federal, se bem que apenas nas matérias onde a Comunidade detém competência exclusiva.

Esse «comportamento» tem levado alguma autorizada doutrina a caracterizar essa ordem como possuindo «vocação federal» ou gozando de um «imediatismo» federal.

 

Uma última nota: em virtude da capacidade de evolução e de transformação da União, tanto por via das revisões dos tratados, como por via da jurisprudência do Tribunal de Justiça, também ela muito «federalizadora», só uma abordagem prudente do conceito de federalismo e que tenha em linha de conta a necessidade de uma constante adaptação às variáveis enunciadas, a revisitar frequentemente, poderá, contudo, permitir uma análise produtiva, capaz, ao mesmo tempo, de rejeitar as aproximações, redutoras umas, voluntaristas outras, com que o assunto é demasiadas vezes equacionado.

 

Sem prejuízo para o debate sobre os traços federais da União ou sobre a opção federal para o futuro do projeto de integração, importa ter presente que a UE compreende já, nos seus Estados-Membros federações, como sejam, entre outros, a Alemanha ou a Áustria. De facto, a lei fundamental alemã (Grundgesetz, assim denominada porque se pretendia que fosse aprovada uma Constituição – Verfassung – depois da reunificação) institui um regime republicano parlamentar federal que, atualmente, compreende 16 Estados (Baviera ou Sarre, por exemplo) e cidades-estado (Berlim ou Hamburgo, por exemplo). Qualquer passo rumo a uma UE federal teria de considerar, entre uma miríade de matérias jurídico-políticas de grande complexidade, a relação de poder vertical que teria de se estabelecer com estas federações de Estados.

Por outro lado, importa distinguir federação de confederação. Em ambos os casos existe uma relação de cooperação entre Estados, mas no primeiro caso esse vínculo é muito mais forte, dando origem a uma entidade soberana nacional dotada de Constituição própria (existe uma transferência de soberania dos Estados para a federação que a legitima democraticamente). No caso das confederações essa relação já não configura uma união, mas uma associação de Estados que, não transferindo a sua soberania para a confederação, criam uma estrutura permanente para matérias de grande relevância, como uniões monetárias, relações internacionais ou defesa, por exemplo. Historicamente, a formação de confederações está associada ao primeiro passo para a instituição de uma federação, como aconteceu com os EUA ou com a Suiça (neste caso, não se confunda o nome oficial do país – Confederação Helvética ou Suíça – com o seu sistema político, eminentemente federativo, mas com traços confederais).

(última alteração: Outubro de 2017)
Co-Autor(es): André Machado
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